Projeto Entreilhas conecta artistas do Marajó e São Paulo. (Foto: Fernanda Grigolin/ Divulgação) |
A
ilha do Marajó, no Pará, e a de São Sebastião, em São Paulo. As
centenas de quilômetros de distância que separam essas duas localidades
são encurtadas no projeto Entreilhas. Reunindo artistas de ambos
estados, a proposta do grupo é produzir obras que revelem a realidade
dessas regiões. A primeira parte da pesquisa se iniciou no último dia 28
de fevereiro, através de uma residência
de 10 dias no município paraense de Cachoeira do Arari, no Marajó,
arquipélago localizado cerca de 87 quilômetros de distância de Belém.
“Passamos semanas na ilha, morando na mesma casa, comendo junto, saindo para fotografar em grupo. Essa aproximação e troca de experiências proporcionou uma visão única da região, pensada através de um trabalho coletivo”, revela Fernanda Grigolin, uma das coordenadoras do projeto, contemplado pelo edital Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais.
Fusão de paisagens, de cores, de gente
Apesar de paranaense, a
fotógrafa integra a ala dos “paulistas”, ainda composta pela roteirista e
escritora brasiliense Luciana Penna, com a única exceção da designer e
artista visual
Karina Francis Urban, de São José dos Campos, interior de São Paulo. Na
ala paraense, estão os fotógrafos Irene Almeida e Ionaldo Rodrigues, e o
performance Lucas Gouvêa.
A segunda parte do projeto está prevista
entre os dias 10 e 22 de abril, com uma visita a ilha de São Sebastião,
em São Paulo. Ainda existe uma “terceira ilha” em construção, o lugar
imaginário fruto da junção dos trabalhos produzidos a cada viagem do
grupo. Essa nova localidade está prevista para surgir no mapa ainda em
junho, na forma de livro, vídeo-arte e exposição fotográfica.
A ideia de Entreilhas surgiu da parceria
de Fernanda e Luciana. A relação das amigas com o Pará já vem de alguns
anos. Luciana já visitou a capital paraense por diversas vezes
acompanhando o marido paraense. Já Fernanda começou a se envolver com a
região em 2011, ao ser selecionada para o Prêmio Diário Contemporâneo de
Fotografia.
“Aproveitei para visitar o Marajó logo
que fui ao Pará pela primeira vez. O que me marcou na viagem foi a
relação do homem com a natureza, essa integração. Foi aí que formulamos
essa ponte aérea entre a vida dos ribeirinhos com os caiçaras do litoral
paulista. Meu pai também é caiçara. Então a conexão foi imediata pra
mim. Apesar de lugares tão distantes, acabamos achando algumas
semelhanças. Como é o caso da festa de São Sebastião celebrada entre os
quilombolas de Gurupá, comunidade próxima a Cachoeira do Arari. Na vila
de Montão do Trigo, onde nós ficaremos em São Sebastião, existe o mesmo
culto ao santo católico. Não é a toa que ele dá nome a ilha”, explica
Fernanda.
DESCOBERTA
A cidadezinha paraense de pouco mais de
20 mil habitantes também é sede de outro marco cultural: o Museu do
Marajó. Fundado em 1972 pelo padre italiano Giovanni Gallo (1927-2003), a
instituição até hoje se constitui na única referência sobre história e
cultura marajoara presente na ilha. Em seu acervo constam dezenas de
peças arqueológicas indígenas, algumas datadas como anteriores ao
período colonial.
Acervo este que serviu de ponto de
partida para o trabalho de Ionaldo Rodrigues, que de acordo com o
exercício proposto pelo próprio projeto, criou sua “versão” da ilha
através de uma obra.
“Eu tentei explorar um pouco da história
local. Utilizei-me de referências encontradas nas peças do Museu do
Marajó e fiz uma comparação com a paisagem do local. A argila utilizada
para moldar as peças de cerâmica, os animas empalhados, os painéis
explicativos sobre os vaqueiros e pescadores, tudo passou por uma
reinterpretação com situações que víamos no cotidiano da região. Como a
intenção do projeto é fazer uma fusão de paisagens, de locais
diferentes, acho que mesclar esses dois pontos diferentes da história
foi um ótimo ponto de partida”, conta o fotógrafo de 28 anos, que para
demarcar bem essa viagem ao passado, utilizou máquinas fotográficas
analógicas e digitais.
Inclusive o museu serviu de inspiração,
mesmo que indiretamente, para o trabalho de Irene Almeida, que
investigou quais eram as aspirações de quatro nativos. “Cada um pensou
como seria sua ilha. Uns vão trabalhar através da fotografia, outros do
vídeo. Eu me inspirei nos sonhos dos habitantes do local. Entrevistei
cada morador a respeito do que almejava na vida, o que mais desejava”,
conta. “A maioria queria estudar, fazer universidade, dar uma
oportunidade melhor para os filhos. Muitos esperam que esses
conhecimentos melhorem a vida na cidade”, revela. A fotógrafa pretende
dar continuidade à pesquisa, ouvindo moradores de São Sebastião. A
intenção do grupo é sempre “casar” os trabalhos feitos em cada cidade.
Apesar da distância física entre os
envolvidos, eles pretendem manter esse espírito comunitário em todas as
etapas do projeto, ajudando na curadoria de imagens, edição dos vídeos,
até a encadernação dos livros será feita em mutirão, costurada a mão.
Isso será possível graças à internet, outro terreno de onde vem surgindo
essa terra nova imaginada pelos artistas. Além das discussões por
e-mail e redes sociais, futuramente “Entreilhas” poderá ser acompanhado
em tempo real através de um blog, que irá registrar os avanços do
projeto. “‘Entreilhas’ é um projeto em formação, ainda estamos
desbravando esse conceito. Dessa conversa sairá a terceira ilha. Esse
lugar que não é nem no Pará, nem em São Paulo. É a união de todas essas
vozes”, define Fernanda Grigolin.
(Diário do Pará)
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